11.3.08

Secretaria

- Então o senhor trabalha num Banco?
- Sim, isso mesmo.
- Tem graça, num Banco! Um tipo com a sua imaginação? Não julgue que não reparei nos desenhos que andou a fazer nas costas do impresso enquanto eu passava os dados do seu BI para o computador. Esqueci-me de lhe dizer que o impresso tem de seguir sem rasuras ou riscos. Vai ter de pagar um novo. 20 euros.
- Como?! Mais 20 euros?!
- Sim. Queria fazer bonecos, pedia uma folha e pagava só 20 centimos. No impresso são 20 euros. Mas não o levo a mal. Sou, mesmo se não lhe parece, uma mulher sensível. E tenho experiência de vida. Já fui casada 20 anos com um artista. Sei que são dados a excentricidades. Mas um Banco é demais! Porquê num Banco, homem?!
- (Riso sardónico, a metade do rosto, quase imperceptível) Achei que a minha vida tinha falta de tédio. Sentia emoções muito fortes. Precisava de equilibrar a excitação matinal: espreguiçar-me, sair da cama, comer uma taça de cereais em 20 segundos, tomar banho (à pressa), lavar os dentes, vestir-me (sempre à pressa), correr para um trabalho despretencioso e normal - Tudo isto me sobressaltava. Num Banco é diferente. O fato e o laço da gravata dão-me um ar de executivo moribundo, como se me pusesse antecipadamente a caminho de um velório por vir. É a definição perfeita do normal, que bate qualquer quotidiano. Não achei nada de mais aborrecido. E acredite que procurei como um louco!
- Credo, filho! Não pensei que estivesse tão mal! E o sal da vida, e a descoberta que a juventude pede, e o romance, e a aventura? Vai desistir de tudo já com essa idade? E com esse corpo??! Mesmo que magro, sim, mesmo que magro!, não me olhe com esse ar de sonso! Embruteceu?? !
- Se quer que lhe diga, nem sei. Fui provando de tudo, ficou-me um travo amargo. Acha que sou demasiado sensível? Preciso de terapia?
- O que você é, é parvo! Estamos aqui há 20 minutos, já enchi 20 páginas de computador com as suas habilitações e estatísticas, já lhe dei 20 razões para se pôr a mexer, e você ainda a entreter-me com conversa mole! Irra! Você é uma biblioteca ambulante! Não admira que trabalhe num Banco! Pode ter um talento enorme, mas nunca vi pessoa tão aborrecida! Se é demasiado sensível?! Sim, o que você é, é parvo e precisa é de chapadas! Essa é a melhor terapia que conheço! Volte daqui a 20 dias e traga por antecipação um atestado do médico. Terei o maior prazer em pregar-lhe uma sova.
- E agora?
- Agora tire a senha para o Guichet nº20. Ainda tem de tirar fotografias. Ora já viram isto? Próximo!

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