30.3.08

Do Crítico Literário - Diário do Admirador de Lombadas...

Há quanto tempo já não leio um livro? A literatura inteira perdeu-se no tédio das minhas horas. Folheio as páginas, admiro os títulos, aprecio as capas. Tudo o mais me passa ao lado como ao homem casto é indiferente o desejo. A livraria, mesmo a mais modesta, é para mim um Museu. Entro, contente por ser domingo e eu não pagar a entrada - curiosamente é sempre domingo numa livraria, na minha hora de entrar. Contemplo as peças postas e tenho sempre cuidado para não lhes mexer. Se estão de frente penso: «Que capa bonita!», mesmo que o não ache. Muitas vezes não encontro meio (por mais que tente) de compreender aquelas obras em que (apesar do que eu considero defeitos) outros homens com nome (um nome mais sonoro que eu não tenho) vêm arte; mas se estão alí, naquele espaço sagrado, e se estão expostas é porque uma autoridade as entendeu e as considerou importantes e eu respeito sempre a autoridade.
Se os livros estão por ordem, na sua prateleira, percebo que estão catalogados, e que o modo correcto de estarem é exactamente assim como estão. E mesmo não alcançando a intenção do autor e o critério que o expositor escolheu (o que normalmente acontece), considero, um pouco mais alto, para que à minha volta me ouçam e tudo pareça bem: «Que rica lombada! Que ordem! Que perfeição! O artista estava embrenhado de rigor estético!» E, considerado isto, vou-me embora, agradecendo muito a tolerância e o cuidado aos curadores do Museu. É no fundo o meu método de abarcar a realidade de um livro. Porque o meu método transmite esse consolo agradável de uma calma sensação de segurança, mesmo que esse consolo, essa segurança, não sejam mais do que a consequência natural de uma continuada representação de que me acho quase sempre consciente. No fundo, não leio: passo e finjo que leio. Finjo que compreendo. Finjo que sinto como é suposto sentir ou, simplesmente, que sou realmente capaz de sentir. Finjo que gosto de gostar.

É também assim que faço com a vida...

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