São Tomé foi Santo porque negou Cristo para além das evidências, e não por não ter acreditado nas chagas. De facto, é preciso ser-se superlativamente obstinado para recusar a matéria palpável. Essa obstinação é um atributo do mártir. Tomé jura, porém, que não foi o Cristo-Homem que negou mas a sua transcendência. A meu ver, isto está certo. Porque foi então que o santificaram? Ainda hoje ele se faz essa pergunta, entre o creme de beleza da manhã e o sono reparador da noite. Perguntará o blogonauta mais desconfiado e precavido como tenho eu acesso a tais informações. Poderia, legitimamente, recusar-me a revelar a fonte. Por honestidade, porém, não o faço. A verdade é que, pela hora da ceia, o amigo Tomé vem visitar-me, com um chazinho de menta e umas bolachas de cacau e mel. Empanturramo-nos os dois severamente e conversamos pelas tantas da manhã. Este São Tomé que Me Fala (como eu gosto de dizer e já publiquei em livro - pela editora Papiro, creio eu, mudando o me para vos para lhe conferir um carácter mais geral) é moderno e jovial e sabe falar sobre tudo. Tem, todavia, a tendência irritante de desembocar no cepticismo; ainda assim, não obstante tão enfadonha e triste limitação, dá gosto falar com ele. Contou-me muitos segredos do Universo e da Vida, explicando-me e demonstrando-me como era tudo mentira. Eu creio que, por vezes, o meu amigo exagera. Mas tenho de lhe dar o crédito de uma sabedoria milenar e do infalível vaticíno da experiência. Afinal, quem pode negar a primazia do empirismo sobre a metafísica? Pelo meu amigo Tomé eu soube, não sem algum constrangimento, que fui escolhido por Zeus (ou por Deus? ou por Ateus? ou...?) para liderar as ovelhinhas do globo para o abismo do Cepticismo Absoluto onde encontrarão a Salvação Eterna. A promessa, como qualquer promessa, é paradoxal e estranha. «Não faz sentido, Tomé!» - gritei-lhe eu perplexo - «Como pode ser que o abismo nos salve?». A que ele me respondeu: «Bem se vê que estás cego.» - Tomé gosta de falar por imagens e enigmas - «O Abismo do Cepticismo não é mais do que o poço fundo onde se deitam fora os fatos velhos das crenças. Não há verdades no Mundo, apenas convicções profundas. Porque tens de viver de acordo com as convicções dos outros? Pensa por ti próprio». Foi então que percebi que também Tomé era um crente, um idealista. De facto, como podemos pedir à simples ovelhinha tresmalhada que deixe de seguir o pastor e que canse muito o neuroniozinho (programado apenas para a capacidade motora) para tomar por si mesma as suas decisões? Qualquer ovelha gosta que se lhe mostre o caminho do pasto. A ovelha portuguesa, prefere até, se possível, que se lhe arranque a ervinha e se lha dê já mascada, pronta a engolir. Se engolida vier já, melhor ainda. Com que direito e feitiço se lhe há-de então exigir que escolha um rumo, que reflicta, que discuta, que construa? Foi aqui que Tomé se zangou comigo e partiu. Muitas noites, pelas sextas-feiras, ele vem ter comigo, me revela coisas sobre o Princípio, o Meio e o Fim dos Tempos e depois parte amuado com qualquer coisa feia que eu lhe digo. Poderão dizer que sou eu que sou duro. Talvez seja verdade. Mas a minha convicção mais profunda é que Tomé não acredita em si prórpio; ou talvez não seja mais que um paradoxo...
11.4.08
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